quinta-feira, 14 de junho de 2012

Ouvir e escutar - Crônica

Um homem e uma mulher, aparentemente casados, digo aparentemente casados pois os mesmos aparentavam uma idade um pouco avançada, aproximadamente 40 ela e 50 ele. Estavam sentados á mesa de um restaurante em um shopping. Ela cheia de sacolas de lojas femininas a sua volta e ele com uma sacola de uma sapataria masculina. Estavam bem vestidos, com roupas de grife importada. Ele de cabelo grisalho e ela de cabelos ruivos muito bem pintados e escovados. A mulher apresentava-se com uma maquiagem singela para o dia, unhas pintadas de vermelho e jóias douradas, podendo ser de ouro. Ele vestia uma camisa social com um casaco de linho sobre os ombros com as mangas amarradas, sapatos de verniz e um relógio de dar inveja Ou seja, era um casal bem sucedido. No começo, quando se sentaram ao restaurante, ficaram calados, fitando o cardápio, ela lia e ao mesmo tempo não lia, ele lia com muito interesse. Ele fez seu pedido, bem completo, parecia estar com fome e ela disse que queria apenas uma água e uma salada de pepino com frango grelhado. Depois de seus pedidos continuaram em silêncio. Pareciam estar irritados. Ele mais que ela. A mulher observava suas unhas e ele olhava em volta do restaurante. Mulheres bonitas e jovens passavam e ele observava e ela percebia e ficava cada vez mais irritada, até que sua voz não conseguiu mais se calar. Ela começou a interrogá-lo, suas pernas começavam a sacudir rapidamente embaixo da mesa, esfregava as mãos tentando se acalmar, mas em vão. Ela falava e falava, seu olhar buscava repostas do marido. Ele apossou-se de um guardanapo que estava sobre a mesa e começou a dobrá-lo, em sinal de que queria fazer qualquer outra coisa, menos ouvi-la. Ela cheia de emoções que com certeza não queria sentir, arrancou-lhe o guardanapo das mãos e com uma voz grave e alta lhe pediu atenção. Não só ele, mas como todos que estavam a sua volta lhe deram a atenção que desejava. Ele com um olhar de repressão e vergonha, e as pessoas com olhar de curiosidade e piedade daquela mulher. O garçom aproximou-se e perguntou se precisavam de alguma coisa, mas na verdade queria pedir para que se acalmassem. A mulher baixou a cabeça e o marido respondeu que não, que estava tudo bem, mostrando que entendeu o recado. Então finalmente olhou para sua mulher, segurou sua mão. A mesma retribuiu o olhar esperando o que este lhe diria. E ele disse: -" Há 27 anos eu realizo todas as suas vontades, seus pedidos, seus desejos, como hoje aqui neste shopping que você comprou tudo o que quis. Há 27 anos eu te ouço, ouço tuas lamentações e angústias, mas não te escuto. Ouvir até um surdo pode, escutar não, ele precisa do tato e do cheiro para escutar. E assim sou eu, não te escuto, apenas de ouço. E será assim quanto mais Deus permitir". A mulher entendeu o que o marido quis dizer. Soltou sua mão e perguntou: -"Mas por que você não pode me escutar? Por que você só me ouve? E ele respondeu: _" Por que eu cansei de tentar e cansei de não ser escutado também, só retribuo a sua gentileza". Os dois se deram por conformados e entenderam que naquele momento ambos foram escutados e não apenas ouvidos, ambos disseram e não apenas falaram.

Alessandra Rodrigues


Nenhum comentário:

Postar um comentário